Oração Diária Dá Sentido à Realidade

Escrito em 05/05/2024
Equipe Maanaim


Fonte: https://coalizaopeloevangelho.org/


As melhores coisas da vida não vêm pela conquista. Vêm como dádivas. Um sono tranquilo, uma amizade de longa data, uma boa reputação, influência—quando buscamos essas coisas diretamente, elas geralmente fogem ao nosso alcance, ou terminamos com paródias delas (ou pior).

Não podemos nos forçar a adormecer. É uma dádiva (Sl 127.2). Dito isso, podemos implementar posturas e práticas apropriadas para adormecer. Contar ovelhas não produz sono, mas redireciona nossa energia para longe da tentativa de adormecer. É uma preparação humilde para a dádiva de dormir, que vem até nós indiretamente. Portanto, quando meus filhos estão frustrados por não conseguirem adormecer, geralmente digo a eles para começarem a contar, embora isso normalmente não diminua sua frustração no momento.

Há uma situação similar no pastoreio. Como pastor, uma das minhas primeiras tarefas é encorajar o povo de Deus a começar e terminar o dia orando. Para muitos, isso parece uma estratégia fraca e insatisfatória. Certamente, sessões de aconselhamento, uma conferência ou mesmo um retiro de oração são rotas mais imediatas e adquiríveis para o júbilo. Mas oração matutina e noturna? Sim, são importantes, mas parecem impotentes para produzir o júbilo pelo qual ansiamos.

O ponto é esse. A oração diária não é uma técnica espiritual para tornar a vida melhor. Quando pedimos ao Senhor por Sua provisão no começo de cada dia e agradecemos a Ele por suas misericórdias ao final do dia, nos deparamos com a surpresa do júbilo. Em 1 Timóteo 4, Paulo nos dá uma pista do porquê.

Enxergando o Mundo Corretamente

Falsos mestres estavam conturbando a igreja de Éfeso do primeiro século, proibindo o casamento e exigindo abstinência de certas comidas (1Tm 4.2-3). A resposta de Paulo foi clara, concisa e enfática: “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado” (vv. 4-5).

Essa passagem revela que, ao refletirmos teologicamente sobre a criação, podemos errar de duas maneiras. Tal como os falsos mestres de Éfeso, podemos negar a bondade da criação, afirmando que experiências corporais como o sexo no casamento ou aquilo que comemos, apenas distraem e corrompem. Ou podemos, como afirmam muitas espiritualidades modernas, divinizar a criação, crendo que a melhor maneira de afirmar a bondade da criação é postulando que fragmentos da essência divina ou de graça salvadora se encontram “dentro” dela.

Na verdade, há um terceiro erro comum. Podemos tratar as coisas da criação como neutras e sem significado, ocasiões para um prazer sem gratidão ou estímulos para nossas agendas pessoais. Felizmente, o mundo de Deus não é sujo, divino ou sem significado. É “muito bom” (Gn 1.31). Deus deseja que o mundo físico tenha um objetivo final sagrado, que seja “santificado” por meio da Palavra e da oração (1Tm 4.5).

Para que a criação seja colocada à parte, a fim de cumprir seu objetivo divino, necessitamos que a Palavra de Deus nos revele seu propósito. As Escrituras são como um óculos de grau que coloca a realidade em foco. Elas nos ajudam a ver corretamente tudo o que Deus fez. No entanto, Deus não quer apenas que “leiamos” o mundo como sua criação muito boa—ele também quer que a recebamos como uma dádiva de suas mãos.

Receba o Mundo Criado com Ações de Graça

Quando pensamos sobre a oração, geralmente somos propensos a pensar mais em súplica do que em gratidão. No entanto, para receber o bom mundo de Deus como a dádiva que é, é necessário que nossos dias sejam repletos de “ações de graça” (1Tm 4.4, repete enfaticamente o que foi dito no versículo 3). Isso é vital. Tal como Matthew Myer Boulton escreveu: “Parte de receber graciosamente uma dádiva é recebê-la com gratidão; na realidade, em grande medida, a recepção em si consiste de gratidão, uma vez que, se não houver gratidão, podemos muito bem nos questionar se de alguma maneira foi recebida como ‘dádiva’”.

Se eu der aos meus filhos um brinquedo novo, e eles o pegarem rapidamente e saírem correndo, sem nem mesmo um “obrigado”, eles não receberam minha bondade como uma dádiva, mas, nas palavras de Boulton, como uma “pilhagem, um lucro inesperado ou uma mercadoria”. Ou podem ter visto isto como um direito inalienável, não uma dádiva. A concretização da minha dádiva, sua consagração e recepção como dádiva, é inseparável de gratidão por parte deles.

O mesmo acontece com o sexo no casamento, e comer pão, e com a vida e o respirar e tudo o mais. O maravilhoso divino Doador dá todas essas coisas, boas em si mesmas. E ele as dá constantemente. Cada dia é repleto de novas misericórdias. Portanto, ao final de cada dia, podemos e devemos render orações de ações de graças para consagrar a abundância de dádivas que recebemos.

Mas podemos dizer ainda mais. É possível não só darmos graças na hora de dormir; podemos também levantar súplicas de manhã. Quando o fazemos, as ações de graças da noite são multiplicadas—na verdade, transformadas.

Concretize a Alegria Maravilhosa e Verdadeira do Mundo Criado

Imagine que de manhã oremos: “O pão nosso de cada dia nos dá hoje”, e então partimos o pão no dia seguinte no café da manhã, almoço e jantar. Ao final do dia, podemos dar graças por muito mais do que a dádiva do pão, que, por si só, não é pequena coisa. Mais espantosamente, podemos também dar graças a Deus por ouvir e responder nossa oração matinal. Podemos conhecer o caráter e o coração de Deus mais verdadeiramente: ele não é apenas um Doador generoso, mas também um pai atencioso e sensível que ouve nossas orações em nome de Jesus. Ele está sempre presente em nossas vidas para nosso bem, e nos ama com generosidade, bondade e constância surpreendentes, as quais não merecemos.

Estamos propensos a pensar em Deus como alguém relacionado apenas de forma distante à nossa vida diária. Podemos admitir que ele é responsável em última instância por nosso casamento, pão e nosso respirar, como sua primeira causa. Mas, funcionalmente, pensamos em um Deus cuja proximidade prática e pessoal a nós é igual à de um relojoeiro e do relógio que criou. Por mais “natural” que possa parecer pensar em Deus como ausente do casamento, da comida e de toda nossa vida temporal e material, essa é uma percepção falsa, que gera ansiedade e que nos rouba a alegria.

Como pessoas perdoadas do pecado por meio do sangue de Cristo, renovadas em nossas percepções pela Palavra de Deus e impelidas pelo Espírito a orar, podemos viver de outra forma. Através de nossas orações matinais e noturnas, nossas ansiedades podem ser deixadas de lado e a alegria virá até nós como a dádiva surpreendente que é. No final, nosso júbilo se concretiza não por recebermos as coisas pelas quais oramos, mas ao descansarmos com devoção na constante presença, atenção e amor do Pai em Cristo.

Traduzido por Rebeca Falavinha